Os brasileiros sabem e ensinam-nos bastante. Assim queiramos nós aprender!
No site "http://duplipensar.net" encontrei este mimo que não resisto a transcrever aqui:
«Fomos visitados por raposas vestidas de cordeiros
A solidariedade desprezível
Ramana Jacques Publicado em 08.08.2006»
As desigualdades sociais que existem em nosso país, a imensa pobreza que historicamente nos assola, todas as mazelas que acompanham o processo de desenvolvimento brasileiro, criam, fatalmente desconfortos. Um de ordem mais objetiva, nos que estão no andar de baixo da pirâmide social, nos que sentem na pele as conseqüências concretas provocadas pelo sistema político, jurídico, econômico e social que beneficiam apenas aos interesses da minoria abastada, relegando à plebe, as migalhas. Este desconforto é mais visível, tangível que é, torna-se mais fácil de ser observado. Vemos esse desconforto todos os dias nas grandes cidades brasileiras, na crescente população de rua que busca de lixo em lixo o alimento para a sua próxima hora de sobrevivência (e não de existência). Vemos no crescimento do tráfico de drogas, que cada vez mais recruta crianças, e cada vez mais com menos idade, tamanha é a falta de perspectivas que estes têm em suas vidas, que parecem não ter sentido. Vemos esse desconforto no sertão nordestino, onde centenas de milhares de famílias persistem em continuar lutando para sobreviver, mesmo não havendo o elemento mais vital para a sobrevivência humana, a água, falta esta que perpetua no poder as elites agrárias, que tem na pauperização e falta de informação da população o seu principal elemento de manutenção do status quo. Esses desconfortos, qualquer pessoa que assista a um jornal televisivo, conhece muito bem, mesmo que não se atente em buscar discernir qual o motivo de existência desses tipos de situação.
Pois bem, o desconforto da plebe pode servir de matéria-prima para dois outros tipos de desconfortos, estes não mais objetivos, mas sim de ordem subjetiva, no sentido de não estar tanto ligado às privações e sujeições do corpo, mas sim diretamente ligado ao desconforto da consciência. Traz consigo a idéia de que algo tem que ser feito para acabar ou minimizar com o desconforto dos marginalizados da sociedade.
Temos então os que entendem que o desconforto dos do andar de baixo é provocado por um sistema político, econômico, jurídico e social que privilegia a minoria rica, e que se esse sistema não for alterado, nada fará com que o panorama social segregador se altere. Tratam então de combater o sistema na sua raiz, tentando subverter sua lógica de existência e permanência, buscando quebrar sua coesão. Temos os ingressantes em movimentos sociais contemporâneos como exemplos vivos desse desconforto.
Mas falemos de um outro desconforto, também da ordem da consciência, mas desprezível do ponto de vista de grandeza do ser, porque ao invés de sentir respeito pelos que se encontram desfavoravelmente no tecido social, sentem pena... E há poucos sentimentos mais desprezíveis do que a pena. Assim, ao invés de investir em medidas que alterem de fato a ordem social injusta, ao sentir simplesmente pena, revestido de um enorme preconceito pelos de baixo ao considerá-los como meros ignorantes e coitados, dão migalhas achando que fazem grandes coisas. Ao estancar qualquer possibilidade de tomada de consciência social e política da plebe, simplesmente por achar que estes não estão aptos para tanto, massageiam seus egos solidários com doações, que lhes dão boas noites de sono no travesseiro, mas que no máximo alivia momentaneamente o sofrimento alheio, porém, contribui na sua perpetuação.
Como escreveu certa vez Oscar Wilde, é bem mais cômodo ser solidário na tristeza do outro do que na alegria. A tristeza o deixa em desvantagem, enquanto que o solidário se coloca numa posição superior. Assim, estes solidários botam tranqüilamente suas cabeças nos travesseiros, achando que são a nata bondosa da sociedade, mas sentem ojeriza pelos mendigos que poluem sua paisagem burguesa. Doam comovidos, quantias generosas para crianças esperanças da vida, mas acham que todo favelado é marginal.
Indo às vacas frias, motivo deste escrito. Recentemente presenciei em São Raimundo Nonato, interior do Piauí, uma caravana de pick-ups composta por magnatas do sul do país fechando um clube da cidade para autocelebração de sua classe burguesa. Não digo burguesa no sentido marxista do termo, mas na do Cazuza, aquela burguesia que fede, que se celebra, que ostenta, que se sente o supra-sumo da civilização, enfim, aquela burguesia que enoja. E justamente por se sentir a nata da civilização, ela gosta de se sentir solidária, generosa. E para tanto, neste caso específico que presenciei, promovem eventos, com imensos foguetórios, do tipo miss cidade visitada, ridicularizando as concorrentes, no alto da bebedeira a base de uísques e charutos que os deixam ainda mais patéticos. Para vangloriar suas benfeitorias, criam a coragem de dizer que viajaram milhares de quilômetros para chegarem até ali, e que sofreram demais no trajeto (talvez o ar-condicionado de uma das pick-ups tenha ameaçado dar algum problema em determinado momento). E ao fazerem todo esse circo, evidenciando que se trata de uma raça superior puro-sangue, massageiam seus egos dando meia dúzia de agasalhos, uma dúzia de cestas básicas aos pés-duros, dizendo que se trata de um trabalho social. Terminada toda a encenação, voltam para o sofrido ar-condicionado de suas pick ups e continuam suas caravanas, sem nem se lembrar do nome da cidade visitada, nem a quem exatamente foi destinado suas generosas doações, direcionando-se à próxima cidade que terá a honra incomensurável de recebê-los, benfeitores que são.
Não, longe de ser trabalho social, se trata meramente de esmolas em que, ao fim e ao cabo, beneficiam unicamente o ego de quem executou a ação. É o caso do beneficiador que se beneficia, é um autobeneficiamento, nada mais do que isso, onde o desempossado tem efêmeros momentos de alívio enquanto que o magnata segue a sua vida de soberba e ostentação individualista com sua pseudo-solidariedade.
É preferível a simples indiferença a essa pena solidária, que desrespeita o próximo. A indiferença pode até ser cega, mas pelo menos é sincera. A pena solidária serve somente pra auto-exaltação do ego, nada mais.
Essa burguesia fede, não tem poesia alguma.
Citado de:
http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q3/fomos-visitados-por-raposas-vestidas-de-cordeiros-a-solidariedade-desprezivel.html#topo
Macacos me mordam se os nossos não são iguaizinhos aos burgueses brasileiros!
No site "http://duplipensar.net" encontrei este mimo que não resisto a transcrever aqui:
«Fomos visitados por raposas vestidas de cordeiros
A solidariedade desprezível
Ramana Jacques Publicado em 08.08.2006»
As desigualdades sociais que existem em nosso país, a imensa pobreza que historicamente nos assola, todas as mazelas que acompanham o processo de desenvolvimento brasileiro, criam, fatalmente desconfortos. Um de ordem mais objetiva, nos que estão no andar de baixo da pirâmide social, nos que sentem na pele as conseqüências concretas provocadas pelo sistema político, jurídico, econômico e social que beneficiam apenas aos interesses da minoria abastada, relegando à plebe, as migalhas. Este desconforto é mais visível, tangível que é, torna-se mais fácil de ser observado. Vemos esse desconforto todos os dias nas grandes cidades brasileiras, na crescente população de rua que busca de lixo em lixo o alimento para a sua próxima hora de sobrevivência (e não de existência). Vemos no crescimento do tráfico de drogas, que cada vez mais recruta crianças, e cada vez mais com menos idade, tamanha é a falta de perspectivas que estes têm em suas vidas, que parecem não ter sentido. Vemos esse desconforto no sertão nordestino, onde centenas de milhares de famílias persistem em continuar lutando para sobreviver, mesmo não havendo o elemento mais vital para a sobrevivência humana, a água, falta esta que perpetua no poder as elites agrárias, que tem na pauperização e falta de informação da população o seu principal elemento de manutenção do status quo. Esses desconfortos, qualquer pessoa que assista a um jornal televisivo, conhece muito bem, mesmo que não se atente em buscar discernir qual o motivo de existência desses tipos de situação.
Pois bem, o desconforto da plebe pode servir de matéria-prima para dois outros tipos de desconfortos, estes não mais objetivos, mas sim de ordem subjetiva, no sentido de não estar tanto ligado às privações e sujeições do corpo, mas sim diretamente ligado ao desconforto da consciência. Traz consigo a idéia de que algo tem que ser feito para acabar ou minimizar com o desconforto dos marginalizados da sociedade.
Temos então os que entendem que o desconforto dos do andar de baixo é provocado por um sistema político, econômico, jurídico e social que privilegia a minoria rica, e que se esse sistema não for alterado, nada fará com que o panorama social segregador se altere. Tratam então de combater o sistema na sua raiz, tentando subverter sua lógica de existência e permanência, buscando quebrar sua coesão. Temos os ingressantes em movimentos sociais contemporâneos como exemplos vivos desse desconforto.
Mas falemos de um outro desconforto, também da ordem da consciência, mas desprezível do ponto de vista de grandeza do ser, porque ao invés de sentir respeito pelos que se encontram desfavoravelmente no tecido social, sentem pena... E há poucos sentimentos mais desprezíveis do que a pena. Assim, ao invés de investir em medidas que alterem de fato a ordem social injusta, ao sentir simplesmente pena, revestido de um enorme preconceito pelos de baixo ao considerá-los como meros ignorantes e coitados, dão migalhas achando que fazem grandes coisas. Ao estancar qualquer possibilidade de tomada de consciência social e política da plebe, simplesmente por achar que estes não estão aptos para tanto, massageiam seus egos solidários com doações, que lhes dão boas noites de sono no travesseiro, mas que no máximo alivia momentaneamente o sofrimento alheio, porém, contribui na sua perpetuação.
Como escreveu certa vez Oscar Wilde, é bem mais cômodo ser solidário na tristeza do outro do que na alegria. A tristeza o deixa em desvantagem, enquanto que o solidário se coloca numa posição superior. Assim, estes solidários botam tranqüilamente suas cabeças nos travesseiros, achando que são a nata bondosa da sociedade, mas sentem ojeriza pelos mendigos que poluem sua paisagem burguesa. Doam comovidos, quantias generosas para crianças esperanças da vida, mas acham que todo favelado é marginal.
Indo às vacas frias, motivo deste escrito. Recentemente presenciei em São Raimundo Nonato, interior do Piauí, uma caravana de pick-ups composta por magnatas do sul do país fechando um clube da cidade para autocelebração de sua classe burguesa. Não digo burguesa no sentido marxista do termo, mas na do Cazuza, aquela burguesia que fede, que se celebra, que ostenta, que se sente o supra-sumo da civilização, enfim, aquela burguesia que enoja. E justamente por se sentir a nata da civilização, ela gosta de se sentir solidária, generosa. E para tanto, neste caso específico que presenciei, promovem eventos, com imensos foguetórios, do tipo miss cidade visitada, ridicularizando as concorrentes, no alto da bebedeira a base de uísques e charutos que os deixam ainda mais patéticos. Para vangloriar suas benfeitorias, criam a coragem de dizer que viajaram milhares de quilômetros para chegarem até ali, e que sofreram demais no trajeto (talvez o ar-condicionado de uma das pick-ups tenha ameaçado dar algum problema em determinado momento). E ao fazerem todo esse circo, evidenciando que se trata de uma raça superior puro-sangue, massageiam seus egos dando meia dúzia de agasalhos, uma dúzia de cestas básicas aos pés-duros, dizendo que se trata de um trabalho social. Terminada toda a encenação, voltam para o sofrido ar-condicionado de suas pick ups e continuam suas caravanas, sem nem se lembrar do nome da cidade visitada, nem a quem exatamente foi destinado suas generosas doações, direcionando-se à próxima cidade que terá a honra incomensurável de recebê-los, benfeitores que são.
Não, longe de ser trabalho social, se trata meramente de esmolas em que, ao fim e ao cabo, beneficiam unicamente o ego de quem executou a ação. É o caso do beneficiador que se beneficia, é um autobeneficiamento, nada mais do que isso, onde o desempossado tem efêmeros momentos de alívio enquanto que o magnata segue a sua vida de soberba e ostentação individualista com sua pseudo-solidariedade.
É preferível a simples indiferença a essa pena solidária, que desrespeita o próximo. A indiferença pode até ser cega, mas pelo menos é sincera. A pena solidária serve somente pra auto-exaltação do ego, nada mais.
Essa burguesia fede, não tem poesia alguma.
Citado de:
http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q3/fomos-visitados-por-raposas-vestidas-de-cordeiros-a-solidariedade-desprezivel.html#topo
Macacos me mordam se os nossos não são iguaizinhos aos burgueses brasileiros!