01 de Março de 2006
O horrível crime cometido por um bando de catorze adolescentes, no Porto e amplamente noticiado nos jornais e na televisão, deixou-nos a todos perplexos. Mas é um sintoma grave do estado de degradação a que a nossa sociedade chegou.
Este facto sugere-me um primeiro comentário:


Graças a Deus que já estou aposentado! Comecei a exercer funções docentes na Escola do Ensino Primário, em 7 de Outubro de 1962.
Acabei como Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico mas comecei como professor do Ensino Primário. Assisti a muitas transformações da educação e do ensino, quase todas regressivas, tanto na Escola como na Sociedade. Este crime violento que os vários meios de comunicação social têm noticiado perturba-me imenso. Por isso agradeço a Deus já estar fora da vida escolar.
Pelas minhas salas de aula têm passado crianças muito violentas e em alguns casos, se as condições sociais lhes fossem propícias, elas actuaria como aquele grupo, não individualmente mas integradas no grupo. Tenho pena de a escola não poder fazer nada por estas crianças mas, na realidade, o assunto é tão complexo que a escola sozinha não pode remediar nada.
Lidei com meninos que hoje ajudam a povoar as nossas cadeias e meninas que hoje se prostituem em bares de alterne, previ isso mas mais não pude fazer que ser amigo deles. Tinham atrás de si todo um passado de violência caseira, de rejeição da sociedade e da própria família, de privações de toda a ordem desde as higiénicas às alimentares passando pelas afectivas, insanáveis pela actividade escolar por mais bem dirigida ou orientada que ela fosse.
Tive, como muitos colegas, de me defender (autêntica auto-defesa que o nosso sistema educativo não prevê e o judicial também não) de tentativas de agressão e agressões objectivas por parte de alunos. Aqui em Pombal, onde trabalhei vinte dos meus anos docentes isso nunca me aconteceu mas em Lisboa com os seus bairros degradados já apareciam nos anos sessenta meninos que agrediam os professores, principalmente as professoras que sempre foram mais numerosas neste grau de ensino, nas salas de aula, nos pátios das escolas ou nas ruas que lhe davam acesso. Claro, naquele tempo os jornais eram omissos neste tipo de notícias, o Estado da Ordem não podia admitir que no seio das suas escolas houvesse violência.
Só numa escola, durante o primeiro ano da minha direcção de escola, em 1964, tive de acudir a uma professora grávida que na sua sala de aula um aluno tinha agredido com uma cotovelada na barriga, tive durante um recreio de desarmar um aluno que me ameaçava com uma pedra da calçada do passeio, por o haver repreendido por ele ter batido num dos mais pequenitos e, no começo de um dia de aulas, tirar uma navalha aberta com que um aluno, que tinha andado fugido de casa três dias, ameaçava à porta da escola a própria mãe que o vinha trazer para que ele ficasse na sala da classe a que pertencia.
A escola tinha oito turmas com mais de trinta alunos cada uma. Começámos por essa altura a reunirmo-nos, os professores, aos Sábados para tentar resolver estes assuntos e, como o bairro era camarário, associámos às nossas preocupações a Assistente Social, que já havia, o Prior da Freguesia, o Fiscal do Bairro e a Direcção da Comissão de Melhoramentos do Bairro, que devia chamar-se Comissão de Desenvolvimento Comunitário mas que por motivos óbvios teve de chamar-se como atrás ficou dito.
Nos anos seguintes estes casos mais gravosos desapareceram quase completamente e os menos graves diminuíram substancialmente. Curiosamente depois de 1974 houve um retrocesso de pelo menos dez anos e ainda hoje, mesmo com uma escola feita de novo, os problemas disciplinares não se recompuseram.
Hoje fala-se muito da protecção de menores em risco mas devia falar-se igualmente da protecção de professores em risco.
Voltaremos mais tarde a estes assuntos.
publicado por MaiaCarvalho às 12:00

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